Behaviorismo Radical, Laranja Mecânica e Black Mirror no Facebook

Behaviorismo Radical, Laranja Mecânica e Black Mirror: 

o que eu reaprendi com um bloqueio total de 30 dias do Facebook 💪🤓👌


Suspeito que a maior parte dos usuários do Facebook, no decorrer de alguns anos de conta e de acordo com a sua atividade especialmente em páginas e grupos de debates filosóficos e políticos, nos quais termina se expondo mais, já deve ter sido bloqueada alguma vez pela própria rede e experimentou o surpreendente sabor amargo da invisibilidade social virtual no mesmo meio em que convivemos.
Inicialmente, o Facebook não é meramente uma ponte virtual entre sujeitos e grupos, viabilizada por um aplicativo. É um espaço social tão complexo quanto o concreto no qual existimos e estamos, por assim dizer, em primeiro plano, unindo ambas as complexidades num caos de subjetividades e interesses mais ou menos conflitantes e que muitas vezes passa desapercebido pela maioria de nós.
Como serviço oferecido por uma corporação, esse espaço está sedimentado em torno de uma cultura empresarial, vinculado às visões de mundo dos funcionários e é controlado de acordo com os interesses comerciais, muitas vezes, contraditórios entre si e em relação às nossas necessidades e anseios como simples usuários. Podendo ser sim, essa rede, muito questionável tanto na sua forma de tratamento dos que não são sequer definidos como clientes quanto na conjuntura que se estabelece enquanto "sociedade virtual" pelo uso coletivo da ferramenta. Mas, tão importante quanto, destaca-se o verdadeiro adestramento de pessoas que o Facebook lança mão e que evidencia principalmente em contextos de recompensa ou, no meu caso, punição.

A intenção com este artigo não é questionar a utilidade dessa consolidada ferramente apenas por causa da minha frustração com a administração da rede pela empresa, do contrário, o texto se reduziria a uma reclamação pessoal desnecessária. Devemos reconhecer que o bloqueio de contas e das ações do usuário advém, antes de mais nada, da necessidade de controle de conteúdos impróprios e de disciplinar ou pelo menos inviabilizar comportamentos abusivos que, no final das contas, terminariam prejudicando o próprio funcionamento da comunidade. A intenção, no entanto, é esclarecer. Pois o contexto dessa minha experiência permite expor pelo menos uma parte do seu lado obscuro, pelo máximo poder da empresa sobre essa tecnologia e pelo controle e manipulação de seus usuários exercido pelo Facebook que revela-se menos humanista do que prático, pragmático (no sentido negativo do termo), utilitarista e até autoritário.

Pego de surpresa pela notificação, nas vésperas do Réveillon

No final do mês de dezembro de 2018, uma noite de sexta-feira incomum (convenhamos, não por ser a última do ano, mas por ter sido um ano, politicamente falando, no mínimo, peculiar e preceder outro que prometia superá-lo), eu acessei a minha conta, após compartilhar um vídeo do YouTube e, fui surpreendido com a notificação pela caixa de suporte dizendo que uma publicação de vídeo minha havia sido excluída por "infringir as regras da comunidade". O motivo? Bullying.

A notificação informava que eu (e não exatamente a fonte originadora da publicação) seria bloqueado de fazer novas publicações por 30 dias. No rodapé da mensagem, havia uma pequenina parte do referido post, porém, só era possível visualizar apenas algumas palavras: "o pedrinho trollou seus amiginho. O que será que eles vão fazer?".

Deram-me a oportunidade de visualizar a mesma e cabia a mim recorrer do bloqueio. Mas, como dito, não sei porque razão eu não consegui fazê-lo. Sabia que não havia sido o real criador do vídeo. Muito provavelmente, eu o teria compartilhado, mas certamente não com esse intuito. Reclamei dessa impossibilidade e pedi para reavaliarem a necessidade do bloqueio, que não resultou em nada, sequer uma resposta esclarecedora.

Efeitos dos algoritmos utilitaristas e das contradições do Facebook em seus usuários: minha experiência pessoal

Em um primeiro momento, fiquei surpreso e até e senti ofendido, por valores e princípios, simplesmente pelo fato de que fui considerado um bully pela rede social. Também me senti injustiçado porque a publicação não era de minha autoria e eu sequer pude conferi-la de fato.
Então veja só, agora eu também me encontro na situação de ter que me explicar sobre algo que é falso, para me fazer entender. Uma difamação por meio de um pré-julgamento errôneo, mesmo restrito à rede, pode ser angustiante para o usuário como se fosse experenciado publicamente. Porque não corresponde aos fatos Em outras palavras, ninguém pode aceitar o bloqueio sem concordar com a justificativa apresentada. Se aceito o bloqueio, digo a mim mesmo que fiz bullying e sou bully. Sei que não fiz, embora o Facebook já tenha me rotulado como um "infringidor". Quase um criminoso.

Psicossocialmente falando...

Isso me faz pensar em como os estereótipos que embasam e motivam atitudes discriminatórias, mesmo contrários aos fatos da realidade, incutem rótulos (falsas imagens) sobre as pessoas e as estigmatiza a ponto de em seus inconscientes, desenvolverem sentimentos de culpa reais.
Flagrei-me tendo pensamentos conflitantes e relativamente angustiantes acerca da "condenação virtual" e da "pena" que fecha, junto com o bater do martelo ou o apertar de um botão, um diagnóstico.
Não é exagero. Embora não seja exatamente o meu caso, a rede social, seja pela forma como se desenvolvem as relações (ou são levadas a se desenvolverem) dentro da sua estrutura, por sua vez, refletindo e interagindo com a superestrutura da nossa sociedade concreta, repleta de engrenagens
que funcionam mais ou menos em modo automático pelos hábitos, costumes e valores que carregamos para o mundo virtual, pode sim, entre outras coisas, incutir sentimentos de culpa, estimular a cobiça e a inveja, gerar mágoas com o apertar ou não apertar de um botão de reação e deprimir por uma passada na timeline (fonte: https://exame.abril.com.br/tecnologia-a-inveja-com-o-facebook-esta-fazendo-voce-infelz-2 ).

Mas não se engane, é em nome do lucro e não principalmente por moral, princípios e valores embutidos em seu logo e suas regras de uso e leis de convivência que o Facebook existe. Até porque esses valores podem se tornar ou já nascerem também como produtos de marketing e propaganda, visando manter e aumentar o número de usuários e o tempo de interatividade, já que o mero uso do mesmo, valoriza a empresa aos olhos das marcas que poderão criar páginas, levar os seus conteúdos para dentro do Facebook e investir em publicidade -- a principal fonte de renda de Mark Zuckerberg. A lucratividade vem antes do usuário. Sem essa, o Facebook não existiria. Contudo, a margem de lucro precisa valer a pena.
Desta forma, o pragmatismo e a severidade na administração de publicações e usuários são viáveis, lógicos e convenientes, porque são menos custosos. Todavia, esses também contornam os interesses de quem controla e manipula, pelo uso desse meio de informação e influência de massa, a cognição das massas trabalhadoras e consumidoras, e não meras usuárias de um instrumento de interação virtual. Ainda vivemos em uma sociedade de classes e de consumo, afinal. Ocultar as suas contradições e estimular a roda da fortuna é uma necessidade das classes dominantes.

Tomemos a rede social como uma comunidade real (porque de fato é), onde sua conta é o seu endereço, sua timeline é a sua casa e seus amigos são os seus vizinhos. Podemos imaginar como consegue ser dúbio, ambivalente e perverso um sistema legal e jurídico -- como a administração da rede social virtualmente -- simplesmente condenatórios e punitivos, baseados numa ideologia questionável em termos éticos. Silencia-se, bloqueia-se, excluí-se, extingue-se, manipula-se pessoas.
Aqui cabe demonstrar que o CEO do Facebook, pelo menos no que se refere à observação, análise, controle e condicionamento dos pensamentos, sentimentos, emoções, vontades e ações dos usuários da rede, por meio de frios, abstratos e invisíveis algoritmos, baseia-se tão unicamente no Behaviorismo Radical.
Desenvolvida pelo psicólogo estadunidense Burrhus Frederc Skinner (1904-1990), essa corrente teórico-metodológica permite que o homem e o comportamento seja explicado a partir de uma sentença quase matemática e cadeia de causas e consequências, fatores e resultados, ações e reações praticamente instantâneas, definidas por: estímulo e resposta (S -- R)
Divide-se em estímulos positivos e negativos e se estabelece que um método de controle e condicionamento do comportamento humano e animal eficaz se faz pela manipulação de variáveis no ambiente.

Skinner no seu laboratório de testes

O condicionamento clássico e o comportamento operante no Facebook

A principio, importa tão somente que o behaviorismo, enquanto teoria e método, não é refutável. Essa abordagem psicológica que encontra pressupostos no empirismo, contribuiu para a superação do mentalismo em psicologia. O que ele advoga já foi comprovado e validado cientificamente. .Contudo, o comportamentalismo compreende apenas uma abordagem dentro do rico arcabouço da psicologia, e dada a complexidade do ser humano, ele se debruça sobre algumas facetas, pressupondo uma visão ideológica e predominando uma forma de explicação e as privilegia, em detrimento de outras possibilidades de explicação e atuação frente ao homem e ao comportamento humano. As possibilidades de adoção em psicologia e suas introduções em psicopedagogias e métodos de administração de pessoal em organiza;ões e instituições -- e que é recorrentemente criticado por autores de outras correntes --, implica, por exemplo, numa relação unilateral, na qual o psicólogo detém todo o controle sobre o sujeito que é colocado numa posição mais ou menos heterônoma, meramente dependente e responsivo.
O sujeito observado e condicionado, porém, é um ser biopsicossocial cuja complexidade não pode ser açambarcada apenas por sentenças e códigos. Nem a genética somente pode explicar tudo. Tampouco o homem pode ser modificado através de pequenas mudanças no meio, por reforçamento positivo e negativo do seu comportamento, ou recompensas, privilégios e punições mediante atitudes inadequadas, ou ainda, criando novas aversões às condutas anteriormente condicionadas pelo próprio meio em que o sujeito vive e que, sem a devida mudança no meio, somente investir no condicionamento do sujeito não resolve.

Porque embora Skiner tenha nos advertido sobre as implicações ou falhar do condicionamento a longo prazo a serem consideradas -- como a falta de recompensas no meio e a dessensibilização do sujeito a certos estímulos positivos e negativos --, as possibilidades de emprego desta abordagem não têm limites nas mãos de pessoas, organizações e governos. 
Além disso, despreza-se, por exemplo, a capacidade ou tendência do indivíduo de perceber as variáveis e as intenções de quem modifica o meio e questionar essa tentativa de controle e, inclusive, o distanciamento entre o manipulador e o meio, o interesse e as motivações envolvidas. É o que muito comumente ocorre com as crianças, quando percebem as contradições das relações humanas, cheias de coerção, ameaças, punição e privilégio (que não deixa de ser uma forma de corrupção).
Assim como ele pode se comportar do modo esperado pelo meio e não receber o estímulo positivo ao qual aprendeu a associar o seu recebimento à conduta desejada, que é a mecânica do comportamento operante (R -- S).

Embora o behaviorismo não deva ser julgado maniqueisticamente e nem deva ser julgado, afinal Skinner e John B. Watson (1878-1958), seu precursor, contribuíram muto para a Psicologia com uma teoria que aborda os aspectos predominantemente biológicos e instintivos do comportamento humano, só um ecletismo teórico e interdisciplinaridade metodológica permite abranger a totalidade do ser humano e que propicie, por exemplo, um autoconhecimento e conscientização do não meramente "objeto". Devemos necessariamente recorrer às outras teorias em psicologia, especialmente em contextos e meios sociais diversos que exigem diferentes formas de ver, explicar e atuar. É, sobretudo, uma questão lógica e ética.

Todavia, na sociedade de massas e de classes, o condicionamento das massas é uma necessidade tanto do mercado no que diz respeito ao estímulo do consumo por meio da propaganda e do status quo, quanto das classes dominantes cujos interesses de hegemonia de poder atrelada ao modo de produção que controlam conduz ao reforçamento de elementos ideológicos por meio da cultura para que possam mantém a estrutura e a ordem social segura e favorável, como o culto à hierarquia, à autoridade, ao privilégio, etc. Não cabe aprofundamento nessas questões complexas, mas apenas demonstrar que o behaviorismo ou elementos dessa abordagem estão presentes nas relações familiares, na escola, na faculdade, no trabalho e principalmente nos meios de comunicação de massa, a exemplo da tevê, e nas redes sociais que também pertencem a alguma empresa.

No Facebook, uma prova do nosso condicionamento operante, por exemplo, são as publicações e comentários que fazemos (R), sem que percebamos, visando a obtenção das curtidas e reações positivas (S). Se elas não vêm, a possibilidade de repetirmos esse comportamento caí relativamente devido à frustração. Se as respostas dos amigos vierem, a chance de publicarmos e comentarmos novamente aumenta mediante prazer, satisfação e contentamento resultantes.
Como se nota, variavelmente, nos pegamos frustrados com a rede social, seja porque percebemos a nós mesmos como "cobaias" seja porque, conforme vamos entendendo os mecanismos falhos da tecnologia (como os excessos das sugestões e amostras de publicações de uma só pessoa) e prevendo os nossos próprios comportamentos e dos nossos amigos, nos damos conta da teia complexa na qual estamos inseridos, somos controlados e manipulados e terminamos fazendo as engrenagens do sistema girar a favor dos seus proprietários. Não raramente, o Facebook muda os algoritmos, fazendo com que você receba menos notificações e veja menos publicações na sua timeline e isso seria para você usar menos a rede? Também ocorre de você curtir a publicação de um amigo e passar a receber tudo o que ele posta, em detrimento dos outros amigos. Não e novidade que o Facebook possui um limite de visualizações de publicações. Eu sigo todo mundo na rede, mas só recebo notificação ou vejo algo de apenas 10% dos meus amigos ou menos.
Mas quando somos punidos com bloqueios, justamente ou injustamente, e passamos a usar menos a rede, vêm à tona o fato de que por trás desses fenômenos, existe um universo de fatores psicossociais, implicações psicoemocionais e sociais e outros que a empresa desconsidera quando não a convém.


O homem: entre um constructo e o vir-a-ser orgânico, bioquímico, sensório-perceptual e consciencial ou um simples objeto mecânico?

O filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange; 1971) de Stanley Kubric, baseado no romance distópico de Anthony Burgess (Reino Unido; 1962), conseguiu expor de forma crítica e sarcástica uma parte dessa falibilidade do mecanicismo psicológico que embora de forma alguma resuma a abordagem comportamentalista, acompanha parte do processo de controle e condicionamento, sendo passível de análise crítica pela própria Psicologia.
A trama segue os passos de Alexander Delarge, o protagonista, que lidera uma gangue de jovens marginais e pratica atos de violência extrema e comete crimes hediondos. Preso, ele termina sendo objeto de uma pesquisa eticamente questionável, conduzida por uma instituição do Estado que une punição e condicionamento. A princípio, objetiva-se desestimular a conduta violenta de Delarge, através da desabituação para a reversão da resposta ao longo de uma estimulação monótona, seguida da sensibilização à violência e que se refere a processos de incremento da resposta. Tudo através da sistemática mostragem de sucessivas imagens de violências extremas ao sujeito, contingências que, dadas as condições do personagem (preso à cadeira e de olhos mantidos abertos por instrumentos) consistem, também, numa punição negativa. 
Era previsto que, mantendo contato com um estímulo aversivo de maior intensidade que o de costume, haveria um reforçamento de respostas de fuga e esquiva à violência de qualquer tipo, pelo que segue a generalização de estímulos.
Por um período de tempo, o personagem se tornaria bem menos inclinado a cometer novos atos de violência porque, pressupõe-se, os associaria às violências com as quais teve contato durante o controle aversivo.

1a edição de A Clockwork Orange, (1971),
romance de Anthony Burgess.


No final da trama, porém, constatamos que o comportamento agressivo do personagem não foi explicado em termos da sua origem, no seu passado, nas infâncias (até mesmo no ventre materno, onde começa a se formar a personalidade), na sua família, escola e trabalho, como esses se configuram os fatores psicossociais de igual importância. Tampouco se buscou elucidar a tendência à agressividade, a crueldade e a perversidade, pelos prováveis fatores bioquímicos na sua também concebível psicopatia.
Enfim, ficou uma lacuna imensa na constituição do sujeito do filme que a predominância de uma abordagem psicológica como o behaviorismo não poderia abarcar. Faltou imergir no cônscio do prisioneiro e de sua família, faltou analisar criteriosa e criticamente o próprio meio, a sociedade, o mundo no qual ele estava inserido. Porque neles residem os fatores que constituem, desenvolvem, modificam e deformam o sujeito de fora para dentro e então determinam e predispõem também de dentro para fora, inconscientemente. Faltou pelo menos a Psicologia Social Sociológica que o diretor do filme aplicou na construção desse clássico filme que expõe a complexidade da subjetividade, inclusive, da própria sociedade e de um Estado que opta por uma abordagem psicológica para viabilizar uma forma de moldar sujeitos com os quais já falharam na sua socialização. Já que prevenir é possível e mais lógico que tentar remediar o irremediável e pior, com um remédio questionável que põe em cheque a moral e a ética da própria sociedade.

uma cena do filme Laranja Mecânica
(Delarge é condicionado por cientistas e punido com tortura pelo Estado)


Traçando um paralelo entre o enredo do livro e a história da ciência psicológica, a punição e o controle aversivo de Delarge através do choque e do trauma com imagens e sons contendo violência extrema e explicita em maior intensidade e quantidade do que a provocada pelo referido às suas vítimas, também em termos de pressupostos e de efeitos, são equivalentes ao controverso "Experimento do Pequeno Albert", conduzido John B. Watson e sua aluna de doutorado, Rosalie Rayner, em 1920, na Universidade Johns Hopkins, para demonstrar o funcionamento do condicionamento clássico em seres humanos.
Entendemos que não deve ser uma prática ética da profissão e nem método eficaz a ser adotado em todas as instituições sociais (exceto, talvez, na escola militar? É ironia...). Porque demonstra, conforme o próprio Skinner alertara, que controle coercitivo, caracterizado pela punição física e psicológica, gera o efeito desejado apenas inicialmente. Após certo tempo, o comportamento indesejado, no caso do filme, a agressividade e a violência, reaparece. Pior, pode se manifestar como resposta que seja do Sistema Límbico profundo fora de ordem de um provável psicopata, como resposta ao meio social no qual Delarge continuou vivendo após ser "reabilitado" (ambiente esse que, insisto, sequer foi cientificamente abordado como um fator) ou até mesmo como uma manifestação contraditória, na forma de elementos atitudinais inconscientes, relativos às memórias traumáticas geradas no próprio processo de manipulação das contingências aversivas, como também reações de raiva e fúria à punição negativa e tortura sofrida. Comprovando que a punição e o "adestramento" com agressão, violência e trauma não é método de conscientização da pessoa para os significados e sentidos dos seus atos. Mas gera o efeito contrário: potencializa a violência contida em sua personalidade e termina por deformá-la.

Há uma questão sobretudo ética importante aí, que pode ser abstraída na minha experiência com o Facebook. Mesmo consideradas as óbvias diferenças nas variáveis e os tipos de contingências de um teste psicológico, um roteiro de cinema e a minha experiência empírica particular, posso afirmar que faltou humanismo na abordagem frente ao personagem do filme, como também falta nas redes sociais. Lanço mão da Psicologia Social e Sócio-histórica aqui para admitir que parte do pressuposto  no uso indiscriminado e não crítico do behaviosismo, principalmente nas redes sociais, é meramente ideológico e não científico, denota dogmatismo científico e pressupõe um anseio entendido como legitimo de dominação e controle de um sujeito ou grupo pelo outro. 
Muito embora, devo enfatizar, no contexto da ciência, o termo controle de comportamento e manipulação de variáveis não necessariamente admite tal significado.
Mas fora dele sim.
A visão que recaí sobre um sujeito que é minoria na sociedade que o pressupõe desprovido de um conhecimento, princípios morais "superiores" e imprescindíveis e uma conduta aceitável, o faz vulnerável perante outro sujeito, grupo, organização, instituição e governo que detém força e poder. Uma vez estabelecido sobre esse objeto dotado de inferioridades e que se prejulga ser incapaz de transcendê-las, a relação que se estabelece entre ambos fora da ciência pode adquirir uma forma perigosa de opressão. E se relativizada, pode adentrar o campo cientifico. Vale lembrar da eugenia Afinal a linha que separa ideologias e preconceitos, interesses legítimos e explorações, conhecimento científico e manipulação e controle social é tênue. De forma que somente a ética pode e deve nos persuadir.

o bebê Albert do experimento do psicólogo behaviorista Watson

O "Livro de Rostos Robóticos, Mecânicos e Condicionáveis" ou "Black Face-Mirror"

A rede social criada por Mark Zuckerberg possuí um histórico conturbado. Recentemente, foi denunciado o uso indevido de informações pessoais dos usuários pela empresa. Em 2018, o Facebook enfrentou uma sabatina de perguntas sobre essas e outras denúncias no Congresso estadunidense. Anos atrás, a empresa foi alvo de investigações policiais no exterior e até questionada no Brasil por alguns grupos de direita que colocaram em cheque os princípios éticos e critérios adotados para a exclusão de contas de perfis pessoais e páginas. As denúncias giravam em torno do tratamento dado aos usuários que seguiam uma determinada linha político-ideológica, até mesmo aqueles que investiram relativas quantias em dinheiro em publicidade para as suas páginas. Zuckerberg chegou a ser convidado para uma sabatina no Brasil, mas ele se recusou.
Quatro anos antes, chegou ao conhecimento público que os psicólogos e/ou administradores de Mark Zuckerberg conduziram uma quantidade enumerável de testes psicológicos com os usuários da rede, sem o conhecimento e o consentimento deles.

Esses casos permitem desconfiar que quaisquer valores da empresa (como a "o encurtamento de distâncias entre as pessoas" e a "união de pessoas em torno de um gosto ou uma causa em comum"), embora sejam indissociáveis da sua composição enquanto marca e empresa e da sua pretensão comercial e inclua nisso a sua função social, esses podem ser colocados como secundários quando o modus operantis busca viabilizar a maximização da lucratividade. São as contradições naturais do capitalismo. Afinal o Facebook lucra, basicamente, através de publicidade. Ele é um grande mural de marcas, uma vitrine semelhante à televisão para outras empresas. Aumenta o valor das suas ações a partir de critérios subjetivos e abstratos atrelados ao serviço que presta. Enquanto nós brincamos de passear entre as propagandas, amando qualquer sensação de liberdade, fazemos a roda da fortuna girar para Zuckerberg. Mas embora sejamos essenciais para o funcionamento dela, não somos bem tratados pela empresa como merecemos. Está comprovado que o serviço não é de graça. É na realidade uma troca, que por razões já expostas neste artigo, é ocultada pela empresa. Uma troca mais ou menos injusta a depender do quanto você valoriza a transparência e a mutualidade nas relações que você desenvolve, antes dos seus amigos, com a rede..

No meu caso específico, descobri que o Facebook não avalia necessariamente o seu histórico de publicações e conduta na rede ou o seu tempo de conta, com base no qual poderia tomar medidas mais acertadas quanto a um possível bloqueio -- e isso é possível tecnologicamente. Mesmo porque não existe sequer um "histórico positivo" ou sequer uma preocupação em ser "justo" de fato. O Facebook nunca avalia de fato o contexto no qual você compartilhou um vídeo ou fez um comentário. Apenas lê superficialmente o conteúdo e de forma bem questionável valida uma denúncia feita por alguém que pode sim estar mal intencionado. Não à toa, páginas de informação, entretenimento e humor que seguem as regras da empresa, apenas por um conluio de adolescentes reacionários e frustrados que as denunciam, caem do nada e todo o conteúdo produzido ao longo de anos, com tanto trabalho e que serviu para o Facebook aumentar as suas ações na bolsa nunca mais é recuperado.
Nem mesmo importa se o proprietário da página já investiu dinheiro. Ou seja, sequer há um contrato de negócios entre os usuários e o Facebook.
Se o conteúdo desse vídeo que me condenou a 30 dias de inexistência social na virtualidade, por exemplo, é realmente de violência (no caso, bullying, o que duvido), não importa tanto se eu acabei compartilhando unicamente com o intuito de conscientizar as pessoas ou rechaçar o próprio conteúdo em si ou a atitude de quem o criou. Nem se a tal publicação já faz um ou dois anos. Alguém pode ter me denunciado ou os algoritmos aleatoriamente me pegaram, por algum filtro tecnológico limitado e falho e eu fui simplesmente punido, conforme a gravidade do ato que na realidade nunca aconteceu. Cabe observar que ninguém fica sabendo sobre a autoria de uma denúncia referente a si. Exceto se esse usuário tiver uma página que recebeu o sinal de verificação da rede e pagar ao Facebook para ter esse tipo de informação. Isso veio à tona em uma publicação do Tico Santa Cruz no ano passado e na qual ele fez essa afirmação.



Pela humanização do Livro de Rostos


Enfim, futuramente, pretendo tecer acerca de outros fenômenos que se mostram em particular nesta rede social ou levantar questionamentos acerca de outras coisas obscuras dela, que observo com frequência e que podem servir, se não para excluir sua conta em definitivo (embora ela permaneça arquivada nos registros do sistema), pelo menos para educar o usuário e facilitar a convivência dentro do Facebook que, apesar dos pesares que justificadamente devem nos preocupar (afinal, vimos o papel e o poder das empresas de redes sociais nas eleições nos EUA e no Brasil), ainda é uma ferramenta de aproximação e relação de pessoas e grupos sem precedentes na internet.

Diante do exposto, pondero que como toda empresa, o Facebook segue, antes de mais nada, os seus interesses e os interesses de mercado. Em outras palavras, o que importa em primeiro lugar é o lucro. E não necessariamente você ou eu. Portanto, a maximização da lucratividade determina o modo de operar e tratar os usuários, e particularmente suas regras e manipulações de comportamentos podem levar ao maior monopólio possível: das formas de pensamento, expressão e ação e restringir, mais do que ampliar as interação humanas também fora das redes.
A nossa cognição, pra não ser colônia de nada nem ninguém, deve funcionar autonomamente. Nesse sentido, devemos reconhecer que somos apenas números para quem controla as tecnologias ou nem isso, considerando que enumerar pode ser custoso. Envolve saber que o nosso histórico de publicações e interação em grupos não ultrapassa quatro anos e o restante do conteúdo desaparece, simplesmente como se você não tivesse existido.
No máximo, somos um código de rastreio de conta ou nem isso.
É importante ter em mente que você pode ter os seus dados pessoais fornecidos para empresas parceiras do Facebook, suas fotos armazenadas no celular ou no computador podem ser acessadas a qualquer momento porque assim a aplicação do Facebook estabelece quando você baixa o app na loja virtual do Google. Do dia pra noite, você pode perder a sua conta sem ter nenhum aviso ou explicação. E não caberá reclamação. Está nos Termos de Serviço, pois, que ninguém lê antes de clicar e aceitar, quando abre uma conta nessa rede social. Mesmo porque estar conectado, para estas gerações, é tão importante quanto estar empregado e se alimentar para continuar existindo ou mais importantes que isso, para se SENTIREM existindo.
E por isso os bloqueios do Facebook são sentidos dolorosamente por nós, até mesmo por mim. Justa ou injustamente, são punições e geram sentimentos negativos que, por sua vez, moldam e deformam as nossas percepções e restringem as nossas atitudes.

Se ninguém se preocupa o bastante com o modo como poderá ser tratado em um novo emprego, se o alimento que consome contém uma quantidade perigosa de gordura e a longo prazo fatal de herbicida, podendo encurtar a sua vida, mas se frustra com a possibilidade do Facebook poder encerrar a sua conta pessoal e perfil profissional de anos, após duas ou três denúncias seguidas de bloqueios, por mais infundados que possam ter sido esses processos, também cabe questionar o modo como temos percebido a nossa existência na realidade e na virtualidade. Afinal certamente uma envolve e reflete a outra e principalmente dentro desta também faz parte da cidadania termos plena consciência dos recursos que nos oferecem, dos riscos aos quais estamos expostos, dos engendramentos da empresa e contradições da tecnologia sob os quais nos colocam, porque os impactos e resultados disso nos afetam, nos modificam e alcançam para além da tela dos nossos celulares e computadores, e cujas maiores possibilidades de consequências ainda desconhecemos.


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Referências:

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. Traduzido por João Carlos Todorov. 11° Edição. Editora Martins Fontes, 2003ISBN8533619359 9788533619357. Num. págs. 489 páginas.

Facebook realizou diversos testes psicológicos sem o consentimento dos seus usuários. Disponível em < https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/Internet/noticia/2014/07/facebook-teria-realizado-centenas-de-testes-psicologicos-ao-longo-dos-anos-.html >

Facebook faz uso indevido de dados dos usuários https://www.bbc.com/portuguese/geral-43646687 >

Facebook é alvo de investigações nos EUA. Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43712692



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