Vampiros: os nossos amigos podem nos colonizar?


Os amigos colonizadores da sua cognição


No decorrer da vida, algumas vezes, podem surgir pessoas às quais, pelo fato de nos encontrarmos necessitados de escuta, confiamos um segredo que guarda uma fraqueza da qual ninguém mais sabe -- às vezes, nem mesmo os nossos entes mais próximos. Até que, para a nossa decepção, descobrimos que esse alguém nos traíu e passou adiante o que lhe contamos ou, na oportunidade propícia, perniciosamente, sabe-se lá por que razão, usa essa informação contra nós. Espero que você não tenha passado por isso, mas acredite, é mais comum do que pode imaginar e, de um modo ou de outro, esse texto pode te ajudar.

Não à tôa a traição e a sabotagem são temas recorrentes na literatura e no cinema. Ter a confiança desrespeitada, justamente o que permite que criemos vínculos afetivos e profussionais e nos comprometamos uns com os outros, pois, ofende a moral, gera medo e sofrimento até mesmo nos criminosos mais acostumados com relações duvidosas e de vinculo impreciso.
Sinceramente, se há alguns anos eu tivesse feito esse mesmo questionamento, não saberia dizer o que é pior. Porém, garanto que a segunda circunstância é, de longe, muito pior.


Considere que aquele no qual você confiou, independente do motivo, se revelou um grande fofoqueiro. Pelo menos, com a sua desonestidade, ele lhe passou a clara mensagem de que não te quer bem. Já aquele que permanece do seu lado como "amigo" e hora e outra te oprime, continua a te explorar psicologicamente e quase literalmente suga a sua energia vital através de pequenas "torturas psicologicas".
Enquanto aquele que lhe apunhalou pelas costas e se revelou um desafeto ou inimigo te dá a oportunidade de se afastar dele e evitá-lo, o amigo que permanece do seu lado, compartilhando afinidades, mas em meio a elas, lança frases de significado dúbio, usando informações suas com ironia que seja para podar o seu jeito de ser e controlar os seus pensamentos, deseja e muitas vezes consegue colonizar a sua mente sem que você perceba. Pois isso ocorre de maneira tão sutil que embora sintamos a opressão, não nos impomos frente a esse alguém. O tal amigo muitas vezes acaricia em seguida ou usa algum artifício que explore outros sentimentos seus, dificultando o nosso despertar e a nossa libertação . E isso é parte da colonização que ele "implantou" sobre a sua estrutura mental.

               

E quando o seu colonizador é um religioso ardoroso?

Antes de qualquer coisa, deve-se ter ciência de que quem coloniza mentes e vampiriza sua energia , precisa -- muito! -- disso. Em breve, tecerei sobre essas armadilhas da socialização.
Pretendo discutir o lugar do falso moralista, nessa relação completamente deturpada pela opressão entre pessoas que deveriam estar próximas por admiração e respeito, e claro, por sintonia, embora não em sintonia em tudo. Eu me baseio em relatos de outras pessoas e, naturalmente, em algumas experiências que tive ao longo da vida. Não foram muitas, ainda bem, porque aprendi a evitar esse tipo de pessoa. Mas foram experiências marcantes.

Há diferentes formas de um amigo vampirizar o outro. Não precisa morder o seu pescoço e sugar seu sumo rubro, viscoso e vital . A cobiça, a inveja é uma das formas tão danosas quanto de te fazer se sentir culpado e se cobrar sem necessidade e é igualmente desgastante.
Dos amigos vampiros, contudo, o colonizador religioso se mostra particulamente perverso.
E, pois, esse papel de "vampiro" cai perfeitamente bem ao "colonizador da cognição" do outro e que, não por acaso, segue alguma religião também autoritária e que os explora através da presunção de autoridade, da pressuposição de culpa e do necessário julgamento moral do outro e que depende dessa exploração moral para se manter. Não de outra forma também esse tipo de pessoa obtém tamanho poder sobre a outra. Porque ela se coloca (e isso é socialmente aceito) como alguém que possui alguma propriedade (mística) muito embora se revele nada além de mera retórica. Basta analisar o discursos batidos para refutá-los. Porque são falas repetidas e previsíveis.
As frases que melhor exemplificam esse contexto em que um dito amigo lança mão desses nefastos pré-julgamentos e presunções condenatórias, embora um pouco genéricas perto do que é possível ouvir por aí, constam a seguir:

"João, você está sofrendo assim porque ainda não aceitou Jesus..."
"Amigo/a, abre o seu coração e aceita Jesus que a sua vida muda e finalmente você vence a depressão..."
"Deixa Deus entrar e operar na sua casa, vem pra minha igreja que, garanto, você e sua família vão prosperar."

À primeira vista, esses dizeres soam comuns também porque no Brasil, um país profundamente religioso e cuja história se construiu através de opressão econômica,  moral, educacional, jurídica, cultural, sobretudo religiosa (onde até, depois de um tempo, e até hoje, quem não é católico ou abre mão das igrejas e dos ritos -- ou simplesmente é agnóstico, simpatizante do cristianismo ou cético, receoso de sofrer discriminação --, sente a necessidade de se denominar "católico não praticante") estamos acostumados a proferí-los para exolicar tudo e ouvir da boca dos outros.



O amigo colonizador falso moralista

"Cães amam seus amigos e mordem seus inimigos, bem diferente das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar amor e ódio em suas relações"
Freud

Atribuem a frase acima a Freud. Eu discordo de Freud pelo simples fato dos seres vivos, até por sobrevivência, condicionarem a diferentes critérios os vinculos afetivos que eles decidem formar até mesmo inconscientemente. Do contrário, não haveria quebra de vínculos e seríamos ainda mais vulneráveis.  Nós também aceitaríamos tudo o que viesse. Supôe-se que essas contradições fazem parte da vida. É o antigo embate entre individuos dentro do coletuvo. E que adquire essas proporções devido aos excessos do homem.

Entretanto, a exemplo desses excessos, um olhar racional e criterioso sobre a motivação política por trás desses convites de conversão religiosa, as indagações e suspeitas morais que o amigo religioso levanta sobre o outro, o caráter ideológico envolvido no que se impõe ao outro e o julgamento sob o qual até pode residir alguma intenção salutar, porém, guarda o pressuposto de justificação da sua condição de adversidade, que é confirmado pelo outro caso você aceite se converter, e de culpabilização, caso você não aceite, soam opressoras demasiadamente. São de fato, ofensivas para quem escuta algo do tipo.
Do ponto de vista ético, esses discursos religiosos que se baseiam nos dogmas e doutrinas de suas próprias e restritas universalidades, envolvem cobrança, culpa, imposição de valores subjetivos e morais relativas que se afastam do campo científico.

Embora pareçam benévolos aos olhos de quem os faz, são, definitivamente, discursos preconceituosos e discriminatórios. Uma forma de violência verbal e simbólica. Todavia, uma avaliação psicológica da conjuntura da mente do moralista religioso, não pelo que embasa a sua atitude (porque religião não é ciência nem fato científico e não cabe divagar acerca disso aqui) mas no que está implicito no seu comportamento, permite concluir algo interessante.


As leis gerais da vida, na forma de fatos, são universais e incontornáveis: ninguém está isento

Não é possível evitar o sofrimento existencial. Tampouco o ser humano, movido a instintos, sendo fisica e psicologicamente vulnerável e estando submetido às variáveis do meio interno e externo, consegue ser sereno, centrado, racional o tempo inteiro. O que dirá santo.
A gente busca a serenidade por ser uma virtude útil e funcional para se viver com a gente e com o próximo. Mas não somos assim sempre. Pelas próprias variaveis do meio (como certos "amigos" que surgem em nossas vidas), não há como ser. Em muitas situações, agimos de acordo com o que o meio exige do organismo.
Mas o moralista religioso, por debaixo do seu puritanismo e severidade ferrenha, se revela uma profunda contradição. Ele tenta evitar as influências do seu próprio organismo. Influências químicas. Fenômenos psicológicos. Inevitáveis. E busca se anteceder às influências do meio, reagindo a elas com certo descompasso ao se assegurar nos delírios de grandeza que justifique a suposta bênção protetora divina.

Nota-se que é uma crença em si mesmo e em Deus que se revela falha, uma vez dependente do mundo material e do objetal, tendo que fazer uso dos intrumentos, ritos religiosos e da perseguição a um inimigo externo a ele, invisivel ou visivel (por exemplo, outros homens, geralmente, fora do seu círculo religioso) para renovar a fé. Tudo isso enquanto posa de santo perfeito e virtuoso pleno para as convenções sociais.
Nesse momento eu responderia a esse amigo, pela ultima vez:
Ora, se você aceitou Deus, por que necessita de um livro, dessa roupa,
O sofrimento é inevitável, faz parte da vida e ajuda no crescimento pessoal. Foi através de algum sofrimento que evoluimos.
O ego tem a função de lidar com os desafios da socialização. O ego também é uma instância da mente, dividida entre ego, super ego e id. E cada uma lida com aspectos do Eu, do outro e da realidade, porque não somos capazes de racionalizar tudo e o todo ao mesmo tempo. Outras vezes, precisamos desligar a razão por alguns instantes e só experenciar. Muito embora nunca nos dissociemos deles nem estejamos livres de suas operações, sequer quando adormecemos, pois o inconsciente permanece agindo sobre a mente. São indissociáveis.


Mesmo crendo na sua santidade, o crente está sendo envolvido pelo ego, super ego e id. Inconscientemente. Não há nenhuma teoria ou estudo comprovando o contrário.
O máximo que nós podemos fazer é sublimar o ego para que ele não nos domine e não nos tornemos reféns do egocentrismo. Mas ele permanece lá e novamente te orienta com mais força quando nos descuidarmos.
Extinguí-lo é impossível, sendo parte da personalidade e dele provém um funcionamento vital, intrínseco à psique humana. Novamente: não podemos ser só racionais ou só emocionais. Somos ambos, mas um predomina em cada momento.
Acreditar no que se quer acreditar, a despeito dos fatos científicos, também é uma forma de egocentrismo. Porque a gente tenta afagar a si mesmo com certezas reconfortantes, embora comprovadanente falsas. Dito isto, no que tange o fanatismo religioso que oprime os outros, a configuração mental do amigo religioso colonizador de mentes torna-se autoevidente.

Eis o mecanismo mental do religioso fanático puritano: quanto mais ele tenta não ser humano, para evitar as vulnerabilidades naturais do Eu perante si mesmo e perante a vida, e por isso mesmo, mais humano ele é, mais vulnerável ele se mostra em suas contradições. E se pudéssemos analisar as suas vidas e as suas mentes, encontraríamos muitos equívocos, falhas, sofrimento, exaspero.
Como diz a letra de uma famosa música da banda Capital Inicial, intitulada Primeiros Erros:

"Se um dia eu pudesse ver meu passado inteiro e fizesse parar de chover nos primeiros erros
Meu corpo viraria sol, minha mente viraria sol
Mas só chove, chove"

Ao invés de se analisarem (reverem o seu passado e presente), reconhecerem os próprios erros e aprenderem a encontrar o equilíbrio entre a busca pelas virtudes e a aceitação e reparação saudável dos vícios, algumas pessoas tentam fugir de si mesmas e dos fatis das suas vidas sob a fachada da conversão religiosa. Assumem uma nova persona quando continuam iguais ou ficam piores.

É muito dificil lidar com sse tipo de colonizador. Porque há grandes chances dele se fazer de vítima quando for colocado no seu lugar e sob o risco de ter a sua máscara feita de mentiras retirada, ataca mais.  Geralmente, quem oprime reage dessa forma. É um kecanismo de defesa inconsciente, além da velha hipocrisia, porque como, comumente, eles mesmos foram e/ou são oprimidos. E assumir isso seria por abaixo o teatro que é as suas vidas e os atores que eles são.


A ponto de desenvolverem toda uma personalidade neurótica, se transformam em pessoas paranóicas e a agressivididade vira tendência comportamental. Esses geralmente só encontram lugar no mundo dentro da sua cisão e alienação moral.
Ao negar as suas naturezas humanas, o amigo religioso, quanto mais doutrinado, dogmático e fundamentalista, mais repudia toda pessoa que se permitir ser humano. E o resultado é justamente a perseguição do outro com o seu martelo ou foice moral e pretensão de juiz em nome Deus.

Existem diferentes facetas no ser humano. De modo que um religioso nao é só religioso. Ele é amante, marido, pai, filho, irmãs, e recela virtudes ao assumir todos esses papéis sociais no cotidiano. No entanto, ele também possui desvirtudes. É falho, vulnerável. Erra. E do nosso lado, como amigo, nao bastando algumas afinidades, na tentativa de nos converter, pode colonizar a nossa cognição com artifícios destros de retórica tão sultis quanto dolorosos quando dentro de nós essa verdadeira violência psicológica se manifesta.
E se permitirmos que eles usufruam desse sórdido poder, em vez de colocarmos rédeas em seus delírios de grandeza e ilusões de autoridade divina, podemos levar adiante uma relação tão ou mais sofrível do que se perceber traído por um amigo que finalmente se revelou.
Podemos nos tornar sadomasoquistas. Agora desenvolvemos uma dependência dessa pessoa porque não sabemos mais agir por conta própria. Daqui a pouco, por termos passado tanto tempo com esse algoz, aprendemos a ser iguais a ele, assimilamos o seu comportamento patológico e mesmo libertos, inconscientemente, se não buscamos outro algos oara nós, nos tirnanos o algoz de outro infeliz.


Esse tipo de relação é disfuncional para o lado oprimido. Mas o oprimido nem sempre é mais fraco que o opressor. Ele é levado através da força e da violência, explícita e simbólica, a ficar nessa posição e a aceitá-la. Acredita que é fraco e dependente. Pois o opressor não quer que ele tenha autonomia.  Pelo menos até que assuma a si mesmo, como único dono de suas vontades, escolhas e pensamentos..  e amizades.


Portanto, tomemos cuidado com aqueles que, aos quatro ventos, dizem ou sugerem que são santos, puros e retidos.
Esses são humanos assim como o pior condenado que está pagando penitência na prisão. Mas eles acreditam tanto na sua pureza que não percebem suas desvirtudes, fraquezas, contradições e falhas éticas mesmo elas parecendo tão evidentes aos olhos dos homens mais sensatos.
Esses, não por acaso, receberam o nome de falsos-moralistas. Dotados de um moralismo antiético. Se consideram perfeitos, intocáveis e deram a si mesmos uma autoridade para maltratar outrem de forma cruel e perversa enquanto supostamente fala em nome de Deus. Por esse motivo, por estarem bem intencionados gom tão raso autoconhecimento, no caminho para o inferno, esses amigos colonizadores da cognição conseguem ser muito mais prejudiciais para as outras pessoas do que o inimigo que se declarou.

Comentários

Postagens mais visitadas